sábado, 23 de maio de 2009

Enquanto isso no Pantanal...

A vida na maior planície alagável do mundo, é definida por um regente maior, o ciclo das chuvas, que começa em meados de fevereiro até o mês de junho. Neste período é que a dança das águas sobem e tomam conta de tudo, obrigando a condução do gado para as partes mais altas desta região.

Desta forma durante 40 dias os protagonizantes pantaneiros são os peões que compõem as comitivas, estas são as responsáveis pelo transporte do gado. Elas são formadas por grupos de peões de boiadeiro, homens estes cujas montarias, geralmente são mulas, burros ou cavalos.

Antes do advento dos caminhões-gaiola e das estradas pavimentadas eram estas comitivas que faziam o transporte das boiadas pelas estradas do território brasileiro, chamadas de “estradões”, percorrendo grandes distâncias, durante dias a fio, que eles chamavam de “marchas”. A BR 262 e é a única rodovia federal onde são permitidas comitivas. Porém todo este progresso chegou apenas no “mata-burro” do Pantanal, já que além dele as estradas de terra e os rios caudalosos e sem pontes, não permitem o avanço dos caminhões.

Só na região de Corumbá, 1,8 milhão de animais são movimentados durante a cheia. O rebanho de gado é reunido no ponto de partida pelos peões montados em seus animais arreadas com esmero, todos bem equipados: badramas, pelegos, berrante, laços e peiteiras fazem parte da “traia” necessária, tralha esta cheia de argolas de metal reluzente (alpaca).

Fazem parte da comitiva: o comissário dono da comitiva. O ponteiro, um peão experiente e conhecedor das estradas, que vai à frente tocando o berrante, nos momentos apropriados, para atrair, estimular a marcha ou acalmar o gado e dar sinais para os demais peões.

O berrante é uma buzina feita de chifres de boi unidos entre si por anéis de couro ou metal. Ele emite sons, que podem ser graves ou agudos, dependendo do toque, a partir das vibrações do ar feitas pelos lábios do berranteiro em contato com o bocal mais estreito do instrumento. Esse bocal varia de acordo com a forma dos lábios, podendo ser mais raso ou mais fundo.

São vários os tipos de toque do berrante, que se diferenciam de acordo com a situação. 1º – saída ou solta: toque sereno destinado a despertar a boiada pela manhã; 2º – estradão: toque que reanima a boiada na estrada é repicado, semelhante ao som do soldado marchando; 3º – rebatedouro: toque de aviso de perigo, semelhante ao toque de clarim; 4º – queima do alho: aviso de que o almoço está pronto; 5º – floreio: toque livre, podendo ser uma música.

Os rebatedores, são peões que cercam o gado impedindo que se espalhem. Os peões da culatra, aqueles que vão na retaguarda da boiada.

Os peões da “culatra manca”, aqueles que ficam para trás tocando os bois que tem dificuldade em acompanhar a marcha da boiada, por cansaço, ferimento ou doença.

O cozinheiro, este saí mais cedo que os demais integrantes da comitiva, conduzindo os burros cargueiros com suas bruacas, nas quais levam os mantimentos e tralhas de cozinha, até encontrar um rio cuja margem pudesse, “queimar o alho”, ou seja, preparar a refeição. Basicamente a comida preparada é constituída, de arroz de carreteiro e feijão gordo, também conhecido como feijão tropeiro.

O último ponto de parada é o local onde a comitiva descansa e dorme para recomeçar os trabalhos no dia seguinte bem cedo, antes mesmo de o sol raiar. O dia quase termina e o descanso enfim começa. Nessas paradas a conversa corre solta, as brincadeiras, as gozações, os causos e também as cantorias. Mas há muito caminho a ser percorrido. Logo o sol sai e todos já estarão novamente na lida. A comitiva segue. Pouco conforto, muitos aboios. A vida continua no pantanal. Os ciclos se repetem generosos e plenos de possibilidades.

Estes são os peões de comitivas que percorrem léguas e mais léguas, durante dias e até meses, tangendo o gado no lombo de mulas, vivendo toda a sorte de aventuras no estradão, ora enfrentando situações de perigo, como quando a boiada estoura ou quando se tem que cruzar um rio caudaloso, ora se divertindo com os companheiros à noite nos pontos de pouso, onde tocam viola e dançam o catira.


Por: Luquinhas.

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